Foram 3 batidas secas seguidas por uma
forte e aguda, dando indícios de que a madeira resistente da porta tinha
cedido.
O “como é horrível acordar assim”passou por sua cabeça junto com “tenho
que fazer alguma coisa". Felizmente seu instinto de reação era forte, e a
pergunta que tinha se feito há muitos anos atrás, se iria cristalizar se este
momento chegasse, foi respondida: não cristalizara.
“O mundo é um lugar violento e cruel, e meu maior pesadelo está se
tornando verdade”, refletiu enquanto entrava no closet. Ele sabia que teria
poucos segundos pra se preparar, esquematizar sua reação, e se decidir se iria
reagir de fato.
Talvez por azar ele lera no mesmo dia sobre uma jovem garota que foi
estuprada e jogada na estrada por demonios humanos. A cara do seu namorado,
esgarçada de dor abissal e choro gutural não lhe saíra da cabeça. Também contou
o café que tinha tomado depois do jantar; sempre lhe incomodora tomar café e
dormir, pelo sono inquieto. Combinados com seu trauma antecipado, de ter sua
casa invadida e sua família violentada das formas mais hediondas, estes fatores
levaram-no a optar pelo caminho mais drástico: reagir a bala. A decisão foi um
pouco fisiológica, muito inconsciente, bastante veloz.
Rolou sobre seu próprio corpo e deu uma cambalhota rasteira, alcançando
o closet com apenas 2 movimentos. Seu corpo já não era jovem, e seu gordo couro
não ajudavam, mas o café e o medo, ah, o café e o medo…
O primeiro grito que ouviu foi o esganido e agudo latido de sua
pintcher, Madonna. Ela era corajosa, e por isso temia que sofresse uma morte
demasiado precoce em uma situação assim. Depois pôde ouvir por trás da porta do
closet sua esposa gritando, e um dos demonios sufocando-a e subindo em cima
dela. Agradeceu a frieza que o fez aguardar até o momento em que o demonio
estava mais distraido, e pegou o .380 do fundo do nicho mais alto. Sentiu na
boca o gosto metálico do frio cabo da pistola.
Quando sua esposa gemeu desesperada e abafadamente e o sujeito riu com
um grunhido apático e medonho, ele explodiu com uma bica a porta do closet,
sincronizando o estardalhaço da porta com os próximos 3 tiros que cravou no
peito do seu inimigo, esmagando os gatilhos com fúria e precisão. Bebeu o filme
da expressão do invasor, que em poucos milisegundos metamorfoseou: de riso pra
espanto, de espanto pra dor, de dor pra desespero, de desespero pra nada.
Partiu pé ante pé, marchando firme e suavemente para o próximo comodo,
onde o segundo invasor sufocava sua cachorra e brincava com um 38 nos cabelos
de sua filha, coitada dela, chorando de medo e pavor.
Agarrou um vaso chinês com a mão espalmada e os dedos abertos (que nunca
soube se era falso ou não, tinha comprado em um brechó em sua última viagem a
Xangai, mas o mundo andava tão estranho que até coisas chinesas vendidas na
China poderiam ser falsificadas) e estilhaçou o vaso no cocuruto ralo do
sujeito.
Ainda incrédulo, o segundo invasor tomou uma coronhada na cabeça, com o
calcanhar da pistola, e sentiu de imediato um galo de sangue se formar.
Pasmando, não reagiu. Poderia tomar a filha como refém, ou mesmo atirar nela,
mas seu relógio estava muito mais lento que daquele homem, estranhamento gordo
e ágil, que desferiu o terceiro golpe abocanhando seu pulso que segurava a
arama. O canino trespassou a derme, e depois a epiderme, e depois o tecido
cojuntivo, e roçou o osso.
Já vencido, o bandido sentiu na boca o gosto de metal frio, quando o aço
negro preencheu-lhe do céu da boca à parede da garganta, e empatizou-se com o
pai de família, sem dúvida apadrinhado por uma vontade do Cosmos de levar a
cabo a justiça naquela noite, e até consentiu com o destino quando recebeu as 3
batidas secas do slide da pistola em coices violentos, tiro após tiro.
O pai, desmoronando no chão, com a pistola horizontal e frouxa na mão,
segurada apenas pelo indicador, limpou o suor da testa com as costas do
ante-braço. Franziu o cenho no esforço que fez para mergulhar na sua alma, e
levando-a até Deus disse: "Matar alguém é uma das sensações mais horríveis
que existem. Mas agradeço do fundo desta minh'alma que cá está, falando
contigo, me permitir fazer isso pra proteger minha família".
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