domingo, 2 de fevereiro de 2014

3 batidas secas


Foram 3 batidas secas seguidas por uma forte e aguda, dando indícios de que a madeira resistente da porta tinha cedido.

O “como é horrível acordar assim”passou por sua cabeça junto com “tenho que fazer alguma coisa". Felizmente seu instinto de reação era forte, e a pergunta que tinha se feito há muitos anos atrás, se iria cristalizar se este momento chegasse, foi respondida: não cristalizara.
“O mundo é um lugar violento e cruel, e meu maior pesadelo está se tornando verdade”, refletiu enquanto entrava no closet. Ele sabia que teria poucos segundos pra se preparar, esquematizar sua reação, e se decidir se iria reagir de fato.

Talvez por azar ele lera no mesmo dia sobre uma jovem garota que foi estuprada e jogada na estrada por demonios humanos. A cara do seu namorado, esgarçada de dor abissal e choro gutural não lhe saíra da cabeça. Também contou o café que tinha tomado depois do jantar; sempre lhe incomodora tomar café e dormir, pelo sono inquieto. Combinados com seu trauma antecipado, de ter sua casa invadida e sua família violentada das formas mais hediondas, estes fatores levaram-no a optar pelo caminho mais drástico: reagir a bala. A decisão foi um pouco fisiológica, muito inconsciente, bastante veloz.

Rolou sobre seu próprio corpo e deu uma cambalhota rasteira, alcançando o closet com apenas 2 movimentos. Seu corpo já não era jovem, e seu gordo couro não ajudavam, mas o café e o medo, ah, o café e o medo…

O primeiro grito que ouviu foi o esganido e agudo latido de sua pintcher, Madonna. Ela era corajosa, e por isso temia que sofresse uma morte demasiado precoce em uma situação assim. Depois pôde ouvir por trás da porta do closet sua esposa gritando, e um dos demonios sufocando-a e subindo em cima dela. Agradeceu a frieza que o fez aguardar até o momento em que o demonio estava mais distraido, e pegou o .380 do fundo do nicho mais alto. Sentiu na boca o gosto metálico do frio cabo da pistola.
Quando sua esposa gemeu desesperada e abafadamente e o sujeito riu com um grunhido apático e medonho, ele explodiu com uma bica a porta do closet, sincronizando o estardalhaço da porta com os próximos 3 tiros que cravou no peito do seu inimigo, esmagando os gatilhos com fúria e precisão. Bebeu o filme da expressão do invasor, que em poucos milisegundos metamorfoseou: de riso pra espanto, de espanto pra dor, de dor pra desespero, de desespero pra nada.

Partiu pé ante pé, marchando firme e suavemente para o próximo comodo, onde o segundo invasor sufocava sua cachorra e brincava com um 38 nos cabelos de sua filha, coitada dela, chorando de medo e pavor.

Agarrou um vaso chinês com a mão espalmada e os dedos abertos (que nunca soube se era falso ou não, tinha comprado em um brechó em sua última viagem a Xangai, mas o mundo andava tão estranho que até coisas chinesas vendidas na China poderiam ser falsificadas) e estilhaçou o vaso no cocuruto ralo do sujeito.

Ainda incrédulo, o segundo invasor tomou uma coronhada na cabeça, com o calcanhar da pistola, e sentiu de imediato um galo de sangue se formar. Pasmando, não reagiu. Poderia tomar a filha como refém, ou mesmo atirar nela, mas seu relógio estava muito mais lento que daquele homem, estranhamento gordo e ágil, que desferiu o terceiro golpe abocanhando seu pulso que segurava a arama. O canino trespassou a derme, e depois a epiderme, e depois o tecido cojuntivo, e roçou o osso.

Já vencido, o bandido sentiu na boca o gosto de metal frio, quando o aço negro preencheu-lhe do céu da boca à parede da garganta, e empatizou-se com o pai de família, sem dúvida apadrinhado por uma vontade do Cosmos de levar a cabo a justiça naquela noite, e até consentiu com o destino quando recebeu as 3 batidas secas do slide da pistola em coices violentos, tiro após tiro.

O pai, desmoronando no chão, com a pistola horizontal e frouxa na mão, segurada apenas pelo indicador, limpou o suor da testa com as costas do ante-braço. Franziu o cenho no esforço que fez para mergulhar na sua alma, e levando-a até Deus disse: "Matar alguém é uma das sensações mais horríveis que existem. Mas agradeço do fundo desta minh'alma que cá está, falando contigo, me permitir fazer isso pra proteger minha família".

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