sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Planeta dos Macacos


-“Que merda” – Sofia pensou, enquanto sua nave mergulhava naquele buraco de densidade absoluta.
Tinha que acontecer com ela, claro, a segunda astronauta brasileira a ir ao espaço. No metiê dos astrofísicos, era considerada de terceiro escalão, e tinha uma missão relativamente simples – abastecer a Estação Espacial Internacional com barras de proteína - negociada pelo governo brasileiro em troca de um quarto lugar para a Rússia na Copa do Mundo de 2014.

Não vira bem como fora parar ali. Os sinais estavam estáveis na nave, e o encaixe na órbita estava bastante dentro do desejável. Muito distante da imaginação de uma criança, não era divertido perambular desengonçadamente dentro da espaçonave apertada, executando as rotinas de manutenção, relatórios, e outros afazeres burocráticos. E ainda tinha que aguentar o ego dos colegas “premiados”. É isso: de repente, de excitante aquele trabalho tinha passado a entediante, pois era 90% burocracia.

Bom, não mais. O deslocamento acima da velocidade do som, a ineficiência das turbinas, o estranho comportamento da matéria davam dicas claras: estava sendo sugada por um buraco negro. Não fosse sua curiosidade ficaria desesperada. Só de pensar na unicidade de entrar em um buraco negro sentia-se poderosa, viva, como uma criança deixando-se pender em uma gangorra.

Quando a pressão ficou forte demais, sua mandíbula deslocou-se para o lado, e ela pensou que nunca mais daria uma mordida simétrica na vida. Sentiu que a pressão imobilizava seus movimentos, e o tempo parecia não passar, ou passar vagarosamente. Um clarão seguiu-se de uma surdez absurda, e de repente ela pareceu voltar ao estado normal, como se estivesse orbitando na Lua novamente. A sensação 10% alívio e 90% frustração desapareceu quando se em rota de colisão a um planeta verde.



Pipoca deu uma carinhosa lambida em sua esposa Xereta, despedindo-se para o trabalho. O dia ensolarado pedia buracos, e cavar era sua função. Ao sair, avistou um ponto preto no céu, que foi tornando-se amarelo, amarelo, e maior, e desacelerou, caindo suavemente em um local no horizonte.

À noite, os noticiários falavam de uma nave extraplanetária que tinha caído ali. À sobrevivente, da raça humana, foi oferecida água fresca, tomates, e um pouco de carne. Muitos dos habitantes passaram no local do pouso para lhe dar as boas vindas. Eram cachorros bípedes os habitantes daquele planeta. Tinham uma cordialidade estranha, como se lhes sobrasse... amor.

Depois de alguma discussão sobre quem seria o anfitrião, uma das famílias caninas levou Sofia à sua casa. Era um terreno gramado, com árvores esparsas, e alguns cômodos com teto e paredes de madeira. Não havia portas, maçanetas, ou sistemas sofisticados. Havia uma rampa, no quintal, com visão ampla para o céu, o horizonte descortinado, espalhando cores vívidas daquele planeta excêntrico.

A paisagem era toda assim: fossem planos ou íngremes, havia grandes terrenos atapetados por gramados, com árvores salpicadas em número o suficiente para projetar boas porções de sombra. Ambientes naturais de pedra e madeira formavam os prédios daquela sociedade, com os tamanhos e formatos sendo definidos pelo acaso da natureza.

Sofia andava livremente, conhecendo, descobrindo, maravilhando-se. Durante suas andanças, descobriu que havia humanos ali também, mas não em maior número que os cachorros. Era um acordo cujos termos foram estipulados pelos próprios humanos, segundo ambos lados afirmavam. Pareciam contentes.

A rotina parecia não mudar muito, e era tão feliz que Sofia não se importava. Desde que pousara ali, não tivera saudade da Terra, do seu trabalho, do seu povo. Sentia-se plena, com a simplicidade e harmonia daquele pitoresco planeta.

Passaram-se 10 anos e Sofia continuou vivendo ali. Aprendeu seus hábitos, brincava diariamente com todos. Ali era sempre meiga e gentil; e isso não era piegas, mas a regra. A esses seus gestos - que há um tempo sufocara para sobreviver na Terra - sempre devolviam gentileza e carinho.

Um dia Sofia foi a um centro de escavações, próximo ao mais belo rio e campo verdejante que já vira. Tinham achado ali uma coluna amarela gigante, de uns 30 metros de comprimento e 50 cm de diâmetro. Acharam tb milhares de latas vermelhas escritas “Coca-Cola”, e aparelhos pretos de metal do tamanho de uma pata. Uma placa azul, retangular, dizia “Eng. Luiz Berrini”. Apreciando a brisa da manhã e o ar puro, ela sorriu: aquele planeta não era extraterrestre.

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